HISTÓRIAS DE VIDAS NUMA CANECA DE CHÁ!
O ano de 2014,
foi de profundas mudanças na minha vida. Deixei o meu estado e viajei à cidade
do Rio de Janeiro para passar por um treinamento de 04 (quatro) meses em tempo
integral. Foi uma experiência agradável e confesso que tenho saudades dos bons
tempos de aprendizagem.
Quase um ano
depois, após viajar por algumas partes do Brasil, iniciei os preparativos para
o grande dia, que seria a minha viagem para o Continente Africano, precisamente
Dakar, Senegal. Tudo certo, malas prontas, passaporte e atestado de vacinação
em dia, só restava esperar o momento da viagem.
Quando deixei
Cachoeiro, minha terra natal, fiquei com meu coração totalmente dividido. Uma
amiga foi me deixar na rodoviária e não tive coragem de olhar para trás quando
me despedi dos meus entes queridos. Deixei mãe, irmãos e sobrinhos e parti para
uma das maiores experiências de minha vida.
Finalmente
chegou o dia 17 de agosto e por volta das 11h (onze) da manhã, voei para São
Paulo. Lá, fiquei esperando o voo que sairia às 23h40min e me levaria até
Joanesburgo, África do Sul, naquele domingo de tempo bem enfumaçado tanto no
Rio, como em São Paulo.
Foi uma viagem
tranquila até a África do Sul e como faria uma conexão naquele país e ficaria
por cerca de quase 05 (cinco) horas esperando, aproveitei o tempo para andar
pelo aeroporto para sentir e respirar um pouco da cultura da terra de Nelson
Mandela. Foi uma experiência muito agradável ouvir as músicas melodiosas que
entravam pelos meus ouvidos e atingiam o meu coração, mexendo com as minhas emoções.
No final da
tarde, embarquei para uma viagem de mais nove horas, saindo do sul da África,
para cortar todo o continente e chegar a Dakar, capital do Senegal, no dia 19
de agosto, precisamente 02h (duas) horas da manhã, totalmente exausto e meio
que perdido no tempo em função do fuso horário. Minha cabeça estava confusa.
Sair do
aeroporto de Dakar foi um grande problema. Uma das malas com materiais do PEPE,
foi extraviada e acabei ficando mais de duas horas preso no aeroporto,
esperando que o objeto fosse encontrado. Como a procura fora improdutiva,
acabei deixando o contato de uma colega missionária que morava mais próximo do
local, e finalmente, deixei o saguão do aeroporto.
Minha primeira
reação ao chegar no pátio aberto é de que estava entrando num grande forno,
tamanho o calor que fazia naquele país. Enquanto passava pelo corredor humano
de senegaleses, nigerianos e gente de muitas outras nacionalidades,
oferecendo-se para trocar a moeda estrangeira pela nacional, visualizava ao
longe duas pessoas que se tornariam grandes amigos: Dr. Humberto e José
Ricardo, conhecido carinhosamente como Ricardo.
Vencida aquela
etapa da chegada e acomodado no carro missionário do Humberto, fui levado até o
apartamento missionário de passagem que seria o meu lar pelos primeiros cinco
meses. Era tudo muito diferente e assim que entrei no local, recebi de presente
um croissant, gentilmente guardado pelo radical Jean. Tomei um banho, fiz um
lanche, fui levado ao meu quarto, deitei e senti, finalmente, após dois longos
dias de viagem, cheguei... relaxei e adormeci.
Nos meus
primeiros momentos no Senegal, recebi toda atenção do Ricardo, me levando aos
lugares que eu precisava conhecer para providenciar os documentos necessários
de permanência no país. Foram momentos preciosos para um sujeito que não tinha
muito conhecimento da cultura africana.
Conviver com o
Ricardo nunca foi difícil, pois além de ser um profundo conhecedor da
diversidade da cultura africana, ele sempre teve um temperamento de homem de
paz e também uma profunda e longânime paciência com uma pessoa recém-chegada em
um país onde tudo era absolutamente diferente. Era preciso muita paciência!
Ricardo morava
em Saly, local que ficava aproximadamente três horas de distância de Dakar, e
lá ele cuidava do PEPE Dund Gi = (que significa vida na língua olof), mas
ainda assim, sempre tirava um tempo para estar nos encontros dos missionários
as terças e claro, eu não poderia deixar passar a oportunidade de ouvir suas
experiências no Continente Africano.
Após um tempo
vivendo em Dakar estudando francês, chegou o momento de arrumar as malas para
morar em Saly e conhecer de perto o funcionamento do PEPE. Tudo pronto! Fiz uma
viagem tranquila e finalmente me instalei na casa do meu amigo e assim, comecei
a me acostumar com minha nova rotina. Ricardo,
o bom anfitrião.
Quando cheguei
em Saly, conheci de fato o trabalho que era realizado pelo meu amigo, confesso
que fiquei impressionado com sua dedicação às crianças, pais e professoras no
PEPE e em especial, o cuidado com a Igreja que ele pastoreava. Ricardo, o líder e pastor.
Em todos os
momentos de trabalho no campo senegalês diretamente com o meu amigo, sempre me
recordo de vê-lo desenvolvendo suas atividades com garra, seriedade, sentimento
de urgência e excelência em tudo que fazia que me impressionavam. Ricardo, o trabalhador por excelência.
Naquele tempo,
tivemos muitas conversas sobre a vida, família, campo e tive oportunidade de
aprender a encarar a vida com mais simplicidade e tentei aprender a fazer com
que as mais difíceis tarefas em missões parecessem fáceis, mas essa lição era
bem complicada. Ricardo, o homem da
simplicidade.
Chegou o tempo
da formatura das crianças do PEPE, em Mbour. Houve uma grande movimentação.
Qual tecido será escolhido? Para onde os pepitos irão após a formatura? Os pais amavam o PEPE e não queriam que as
crianças fossem para outra escola, imploravam para que a igreja abrisse a
primeira etapa do ensino fundamental. Você não tem ideia do que significa isso
num país de maioria muçulmana. Ricardo,
o adorável educador.
Como parte do meu
treinamento, fui com o Ricardo ao Mali, país que fica ao norte do Continente,
conhecer e participar de um treinamento na Igreja da amiga missionária Verinha.
Durante uma semana, vi um professor dando formação das 08h (oito) horas da
manhã até às 17h (dezessete) horas com, literalmente, uma hora de almoço de
segunda a sexta. Ricardo, o coordenador
incansável do PEPE.
Não posso deixar
de mencionar que muitas vezes quando chegávamos da igreja ou mesmo no
apartamento onde morávamos, em Dakar, o amigo perguntava: “posso fazer alguma
coisa para comermos? ” Meu coração saltava de alegria, pois não sabia o que ele
arranjava porque em menos de uma hora (eu levaria pelo menos três horas) tinha
comida pronta e com aquele sabor africano que somente provando para você entender.
Ricardo, o master chefe preferido de
todos os missionários.
O tempo passou e
quando já estava no Togo, tive a honra de recebê-lo para ministrar um
treinamento com os nossos professores togoleses e como não poderia deixar de
ser, foram quatro dias de trabalho intenso. Houve um atraso de um dia na
viagem, porém o trabalho e aproveitamento foram fantásticos e vivemos um grande
amadurecimento dos nossos professores. Ricardo,
o professor da superação.
Depois dessas
experiências, tive aquela que muito marcou a minha vida, pois se deu a milhares
de quilômetros do Senegal e do Togo, foi em Porto Alegre, Rio Grande do Sul no
dia 9 de janeiro de 2016, quando tive a honra de ser o padrinho de casamento de
Ricardo e Denise. Carrego comigo para sempre esse orgulho e posso afirmar que
não é pecado.
Meu querido
amigo, sei que os últimos tempos foram e têm sido de muitas lutas e desafios,
mas como você dizia nas nossas conversas: “é preciso viver a cada dia com fé.
Nossa fé, a fé dos amigos, fé dos parentes, fé da esposa, fé de um grande grupo
que nunca vamos conhecer com os nossos olhos carnais, mas podemos vê-los com os
olhos da fé, se é que fé tem olhos.”
Sou grato a Deus
por sua vida. Sou grato pela simplicidade como você sempre viveu e nunca se
ufanou por ser um veterano no campo, mas me tratou com paciência e compartilhou
experiências que somente pessoas seguras e firmes partilhariam.
Sou grato a
Deus, por saber que você contribuiu e ainda tem muito a contribuir em favor das
nossas crianças africanas, brasileiras e de diversas partes do mundo. Sei que
você carrega as marcas desse amor incondicional aos pequeninos e que jamais
sairão do seu coração.
Não posso deixar
de mencionar que nós que tivemos o prazer de conviver contigo, jamais
esqueceremos a sua simplicidade, o seu carinho e respeito com o próximo. Minha
vida foi marcada por algumas pessoas no Continente Africano, mas saiba que você
e Denise têm um lugar todo especial no meu coração e com certeza no coração de
muitas pessoas.
Nunca se
esqueçam... amo vocês.
É isso por
hoje... é vida que segue.