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terça-feira, 5 de setembro de 2023

O Último Olhar...

O dia anterior fora muito difícil à família que vinha de uma luta implacável contra os resultados de um acidente vascular cerebral que não deu muita trégua e recrudesceu ao longo dos últimos dois anos na vida daquele homem.

Existem fatos que acontecem no interior das famílias que somente algumas pessoas que vivem bem próximas delas, conseguem enxergar as muitas virtudes dos seus componentes.

Ele era um homem bem simples, nasceu num lugar pequeno que ficava às margens da velha estrada de ferro da Leopoldina que ligava Cachoeiro de Itapemirim à capital Vitória, no Espírito Santo, chamado Salgadinho. Não estou falando do cantor e sim de um lugarejo, próximo ao distrito de Soturno.

Cresceu em meio a uma família composta de quatro mulheres e mais um irmão e seus pais foram o seu ‘’Pequetito’’ e Dona Miúda. Seu velho pai, era um contador de histórias e “estórias” e algumas estão bem vivas em minha mente até o dia de hoje. Sua mãe, era uma mulher querida e cuidadosa e que nos deixou bem cedo, mas também marcou minha tenra infância.

Nesse ambiente, o jovem mudou para Rio de Janeiro como estava no tempo do serviço militar foi prestar o seu tempo no exército, retornando depois para Cachoeiro, onde por um tempo trabalhou na viação Itapemirim, lavando os ônibus da empresa que começava a operar no transporte intermunicipal e pouco tempo depois no interestadual. 

Não muito tempo depois surgiu a oportunidade de ingressar na Rede Ferroviária Federal, mais conhecida como Leopoldina. Os dias iniciais não foram fáceis, mas para quem estava acostumado a ficar horas de plantão no exército e lavando ônibus foi se acostumando à nova profissão de ferroviário.

Foram anos de trabalho árduo e para aquele homem, não tinha tempo bom ou ruim, chuva ou sol, calor ou frio, ele sempre estava disposto a enfrentar as intempéries para realizar o seu trabalho.

Ele sempre foi muito responsável com o trabalho e não descuidava em nenhum momento de sua família. Foi um homem que viveu do trabalho para casa e durante toda a sua vida, sempre contou com a ajuda de sua incansável esposa na criação dos seus filhos.

No início dos anos oitenta em mais uma de suas viagens, quando estavam passando por Matilde, distrito de Alfredo Chaves, sentiu-se mal foi levado à Vitória e ficou constatado que sofrera um Acidente Vascular Cerebral, mais conhecido como “derrame”.

Os momentos inicialmente foram bem difíceis. Como ele era um homem forte e que nunca havia faltado a um dia de trabalho, ficar preso a um leito de hospital com um lado do seu corpo paralisado, foi muito duro para ele e toda família. Como a vida é feita de recomeço, ele aprendeu a viver com algumas limitações e assim o fez durante vinte e quatro anos.

Nos dois últimos anos de vida, sua saúde foi fragilizada e ele ficou praticamente os meses de novembro e dezembro do ano de 2004, no hospital e houve um revezamento dos filhos durante aquelas longas noites.

No dia 24 de dezembro, foi a noite do seu filho mais velho ficar no hospital e uma das cenas que marcaram aquela noite foi justamente o olhar pelas janelas do quarto do Hospital Evangélico e os fogos de artifícios que estouraram à meia noite anunciando o Natal.

Era um olhar no céu contemplando as estrelas e o brilho dos fogos e outro olhar numa cama com um homem que respirava com dificuldades e num profundo sofrimento, mas com o olhar sereno. O tempo foi passando bem devagar, pois parecia querer estender a noite, para que ele ficasse mais algum tempo com alguém de sua família.

A madrugada se foi, e bem cedinho às 05h da manhã, após uma longa batalha, os olhares entre pai e filho se cruzaram, era uma espécie de olhar gentil... reconfortante... e de despedida. Esta foi a última vez que eu vi meu querido e amado pai Osmani Gomes.

O último olhar que guardarei sempre na minha lembrança... um momento que estará para sempre no meu coração. Sou grato a Deus pelo pai que tive. Um homem simples, trabalhador, dedicado à família... um homem bom. Essa é a melhor definição que tenho daquele grande homem.

Se estivesse conosco hoje, completaria 93 anos, mas somos profundamente gratos a Deus pelos anos que vivemos juntos e por todas as lições que aprendemos. Agradeço a Deus por ter celebrado o seu batismo. Sou grato pelas lembranças que permanecerão em minha vida para sempre.

Com carinho...