Esperar pelo coletivo, sempre
é uma grande aventura, pois sempre ficamos na torcida pela chegada do veículo;
no motorista para saber se a viagem será rápida ou não, e, finalmente, se
haverá um lugar para se sentar. Com todos esses fatores combinados, entrei no
ônibus para ir ao trabalho.
Entrei e me acomodei no banco
na parte da janela e, como sempre, me coloquei a observar as casas enquanto o
veículo avançava na viagem, e as pessoas quando parava nos pontos. O sobe e
desce das pessoas e o frenesi do corre e corre é de impressionar até mesmo os
corredores profissionais.
Meus pensamentos, vagavam
livremente, quando percebi mecanicamente que um rapaz sentou no banco da frente,
tirou uma garrafa da mochila e utilizou a sua tampa para tomar um pouco de um
café que exalava um cheiro delicioso que impregnou todo o ônibus.
Aquele cheiro me trouxe
lembranças de tempos que marcaram a minha vida, mas que ficaram impregnados
para sempre na minha existência, mas naquele momento pensei: quem teria feito o
café para aquele jovem? Teria sido sua mãe, sua esposa ou, quem sabe, ele mesmo?
Mas não tenha tido tempo de beber um pouquinho antes de sair de sua casa?
Aquele cheirinho de café, me
fez lembrar no meu tempo de escola lá no interior quando ainda era criança,
minha mãe se levantava bem cedo para preparar o café e arrumar os filhos.
Enquanto ela preparava o lanhe matinal, sentíamos do quarto aquele cheirinho de
café que me animava a descer do beliche rapidamente sem utilizar a escadinha,
só para tomar o café da mamãe.
O ato daquele rapaz me conduziu
às minhas férias no interior do meu estado, num lugar chamado Ibitiruí,
distrito de Alfredo Chaves. Naquele tempo as férias eram de mais de três meses,
e lembro muito bem que meus pais tinham um trabalho enorme, pois logo nos
primeiros dias de férias queria entrar no velho trem da Leopoldina para ficar
na casa dos meus tios, José Bispo e Nivalda (ambos de saudosas memórias). Os
dias eram longos e, além das muitas brincadeiras, pescarias e desentendimentos
com algumas crianças locais, tudo começava bem cedinho com o cheirinho de café.
Na minha adolescência na
capital secreta do mundo, me recordo do meu primeiro emprego. Naquela época
comecei a trabalhar bem cedo e lembro-me que na loja chamada “A Gaúcha”, éramos
em três adolescentes com pouquíssimo juízo, porém com uma amizade forte à toda
prova. Em determinadas épocas, havia muito trabalho e encarávamos tudo de
frente, mas havia um momento mágico que parava toda produção: o cheirinho de
café. Era um cafezinho medido por ser somente uma garrafa, dividindo um pouco
para cada um, com direito a um pão doce de “chifrinho”, apelido dado por nós
moleques pelo aspecto do pãozinho.
O tempo passou e agora jovem
na cidade do Rio de Janeiro no internato do Seminário, onde morei por mais de
10 anos, a festa era diferente. Nos amontoávamos numa fila de mais de cem
pessoas para entrar no refeitório e a única lei que havia era aquela dos mais
fortes, pois era uma batalha para entrar no refeitório, se espremendo pela
roleta e torcendo para não ficar apenas no cheirinho de café, pois quem chegava
primeiro tomava o café e não ficava apenas na vontade. Quem nunca morou ou
enfrentou refeitório de internato, não sabe a experiência que perdeu na
vida.
Na minha vida profissional o
cafezinho sempre fez diferença, pois todas as vezes que o cheirinho exalava
pelos corredores da escola, era o momento do intervalo na sala de professores.
O papo sempre era muito animado e me recordo que na Escola de Ecoporanga o
intervalo era uma festa tão grande que os alunos ficavam curiosos tentando
saber o quê estava acontecendo na sala dos mestres. Mas o cheirinho de café se
transformava em sabor sempre acompanhado de batata doce cozida, aipim, inhames,
banana da terra cozida e bolos de diversos sabores.
O tempo passou, mas ainda nos
dias de hoje tenho a oportunidade de visitar a minha mãe, sentir o mesmo
cheirinho e, ao mesmo tempo, experimentar o bom café que é feito na casa dela e
que, de maneira mágica, na minha degustação vem o mesmo paladar e lembranças da
infância.
Enquanto minha mente divagava
em todas essas lembranças, minha condução chegou no local do meu trabalho, acordei
como de um sonho e voltei à realidade. Segui como sempre faço todas as manhãs,
tranquilo para minha luta diária, mas feliz por saber que no próximo final de
semana sentirei e beberei um pouco da minha infância nas lembranças de um
cheirinho de café.
É isso por hoje... é vida que
segue!