.

.

terça-feira, 18 de março de 2025


Um olhar perdido...

Era um domingo de muito sol e como de hábito, após o almoço fiquei sentadinho no meu cantinho lendo o meu livro e vez por outra observando o movimento do ambiente.

Tenho predileção pelo Restaurante Gussani, que fica próximo à Praça da Praia das Gaivotas em Vila Velha e sempre que posso faço minhas refeições lá nos finais de semana. O local é bucólico e rústico, porém o atendimento é ótimo e a refeição é caseira e combina com o ambiente que é totalmente familiar. Costumo chegar bem cedo quando o restaurante ainda não começou a funcionar e normalmente saio quando está prestes a fechar.

Naquele domingo, cheguei um pouco mais tarde e como de costume assim que terminei a minha refeição fiquei sentadinho no meu cantinho atento na minha leitura e de vez quando fazendo aquilo que amo fazer que é observar o ambiente e consequentemente o comportamento das pessoas.

Como num típico dia de verão e com um sol extremo muita gente naquele horário voltava da praia e várias famílias adentravam o ambiente em busca de um bom almoço. Alguns comeram apressadamente como se o mundo fosse acabar enquanto outros numa lentidão comparável ao bicho preguiça.

No meio de todo esse movimento, percebi a chegada de uma senhora com passos curtos e apresentava uma certa dificuldade para caminhar. Após escolher uma mesa, depositou seus pertences e foi pegar sua refeição. De volta ao local escolhido, começou a se alimentar vagarosamente como se estivesse com dificuldades para fazer a mastigação e além desse fato, observei que o olhar daquela senhora parecia vago e perdido.

Terminada a refeição o garçom recolheu copo, prato e talheres, mas ela permaneceu sentadinha e quase imóvel naquela mesa no cantinho do restaurante. Foi uma cena que tocou o meu coração, pois me trouxe à memória a figura de minha mãe, uma mulher de 88 anos de idade que criou filhos e teve uma participação importante na criação dos netos.

Fiquei imaginando o que estava passando pelo coração daquela senhora e quero te convidar a me acompanhar em algumas possibilidades. Quem sabe que naquele momento ela se lembrasse do tempo de convívio com o seu marido. Pode ser que a tempo em que viveram juntos tenham realizados a maioria dos planos sonhados quando começaram a namorar. Aquela senhora me parecia viúva por ter duas alianças na sua mão esquerda pois isso sempre foi uma tradição dos antigos.

Seria um olhar perdido em meio as saudades dos filhos que se casaram ou quem sabe vivem em outra parte do país ou mesmo fora dele. Por outro lado, pode ser que “as crianças” para os pais os filhos nunca crescem, tenham abandonado aquela mãe por ela ser uma pessoa idosa e por isso ela gosta de ir aos lugares onde possa estar entre pessoas, amenizando a sua solidão.

Aquele olhar perdido, poderia ser de lembranças de um tempo bom de sua infância com suas amigas quem sabe aprontando nas escolas ou nas brincadeiras de crianças tais como passar anel, salada de frutas, jogar queimada, andar a cavalo, tomar banho no açude ou nos namoros escondidos dos pais que não passavam de encontros fortuitos após ou durante as e missas e quermesses nas Paróquias do interior do Brasil.

Mas aquele olhar perdido, me fez pensar como deve ser difícil para os mais idosos quando os seus amigos começam a partir e aquela estranha sensação de ser o próximo ou próxima da lista, pois alguém já disse que pela ordem natural das coisas os mais velhos morrem primeiro, mas na vida não existe ordem natural para morrer e lamentavelmente, pois os nossos jovens morrendo.

Após mais de vinte minutos de devaneios e olhares perdidos, aquela senhora levantou-se com a mesma dificuldade que sentara, encaminhou-se até o caixa, pagou e saiu desaparecendo da minha vista em busca do seu mundo. Fiquei envolto nos meus pensamentos: para onde foi aquela senhora? Ao chegar em casa num domingo onde muitas famílias se encontram mesmo que seja para brigar, haveria alguém esperando por ela? Como seria o final de tarde daquela senhora? São perguntas que ficaram no meu coração e não sei se algum dia terei respostas!

Aquele olhar perdido me deixou algumas lições que compartilho finalizando essa crônica: preciso valorizar os idosos de minha família ou mesmo fora dela; nossos idosos necessitam de tempo de qualidade através de atenção exclusiva sem celulares e distrações que são tão comuns em nossos dias e fundamental ouvir suas histórias pacientemente mesmo que algumas sejam repetidas, mas são memórias de histórias que foram importantes na vida deles que as novas gerações não gostam de ouvir. 

Pensando naquele olhar perdido, resolvi aproveitar a oportunidade de me retirar do recinto pois todos os clientes já haviam deixado o local e a proprietária do estabelecimento por educação me deixou escrever esse texto...

É isso por hoje... é vida que segue!


2 comentários: