UM NATAL DIFERENTE
Foi um final de ano diferente,
pois o meu pai fora internado há dois meses depois de mais de 24 anos desde que
sofrerá o primeiro Acidente Vascular Cerebral. Ele era um homem negro, forte e
alto e trabalhou durante toda sua vida na Rede Ferroviária Federal, antiga
Leopoldina e como não se importava muito em cuidar da saúde, assim como a
maioria dos seus colegas de trabalho, acabou sucumbido para uma doença que
poderia ter sido evitada.
Após sua internação, sofreu
outros AVCs e a cada dia sua situação foi ficando pior e a família começou o
revezamento no hospital evangélico de Cachoeiro de Itapemirim para cuidar do
nosso pai.
No ano de 2004, solicitei
licença médica para cuidar de doente, considerando que a minha mãe, não teria
condições de passar dias e noites no hospital sem que adoecesse também. Pois
bem, ela ficava alguns dias e sempre às noites eram nossas e coube a mim,
permanecer na noite de véspera de Natal.
Para quem conhece Cachoeiro, a
capital secreta do mundo, o dia 24 de dezembro é muito parecido com as grandes
cidades. Muito movimento de pessoas num frenesi tremendo e o comércio fica em
polvorosa. No meu caso que já não gosto de dirigir nos sábados por aqui, muito
menos no dia que antecede o Natal.
Ao final da tarde o movimento
começa a diminuir e ao contrário do passado, o comércio fechar mais cedo e as
pessoas começam a retornar para suas casas, para os preparativos da ceia de
natal. E por volta das 18h, começo o meu turno no Hospital Evangélico para
passar a noite com o meu pai.
O quarto ficava na parte baixa
do prédio, porém no terceiro andar. De lá dava para ver o pequeno movimento de
uma rua que só se agitava quando chegava alguma ambulância, fora os moradores
locais. Mas era possível ouvir os brilhos e estourar dos fogos da janela do
quarto.
Na minha cabeça era uma
sensação contraditória, pois de um lado via os fogos e alguns gritos de
comemoração e virava o meu olhar e via o meu pai, respirando com muitas
dificuldades, além de estar recebendo alimentação enteral. De um lado muita
festa, alegria e do outro lado consternação. Devo confessar que essa cena
sempre deixou um nó na minha cabeça.
Foi uma noite bem sofrida e
não consegui fechar os olhos nem um momento sequer em função da situação do meu
pai e pontualmente às 05h da madrugada depois uma troca de olhares ele fechou
os seus olhos para sempre e descansou dessa batalha física. Nunca mais me
esqueci daquele olhar. Isso foi há 20 anos.
Quatro anos antes dessa cena
no dia 25 de dezembro, após um dia de comemorações do Natal, no final da tarde,
minha irmã grávida de um menino foi levada as pressas à Maternidade para ganhar
seu bebê. Nasceu o menino que recebeu o nome de José Vitor e trouxe alegria
para todos os familiares.
Minha irmã e cunhado, ficaram
extasiados com a criança que foi crescendo e desde cedo demonstrava um tremendo
talento com a arte de grafitar e pintar murais de forma leve, solta e outras
arrojadas. Era um exímio talento e tinha a alma e inquietações de um artista.
Esse povo e isso falo com carinho, tem a capacidade de enxergar nos detalhes
coisas que não conseguimos ver na totalidade. São perspicazes na visão,
observação e tradução para o mundo.
O menino cresceu e todos o dia
25 de dezembro, sempre comemorávamos o nascimento daquele que outrora fora
criança e acabou se transformando num bonito jovem, com direito a todas as
inquietações e frustrações que essa idade acaba trazendo quando estão completando
a fase de amadurecimento de suas funções neurológicas, psicológicas e
emocionais.
Pois bem o rapaz chegou aos
seus 23 anos e diante das pressões, emocionais, psicológica e emocionais,
acabou não suportando a dor de enfrentar as questões da vida e nos deixou em junho
do ano corrente. Foi uma das experiências mais difíceis que enfrentamos como
família. É o tipo de acontecimento que marcará para sempre a vida dos pais e
dos familiares de perto em função das perguntas que insistimos em tentar
responder, sabendo que não têm respostas.
Nesse ano de 2024, afirmo que
o nosso Natal é diferente. Somos gratos a Deus, pelo Nascimento de Jesus, mas
também nos lembramos daqueles que marcaram nossas vidas e essa lembrança se faz
presente a cada minuto desse dia em que nas casas ouvimos risos e comemorações.
Nosso Natal será diferente,
pois além da lembrança da morte de um homem de 74 anos à época, nos lembramos
de um jovem que completaria 24 anos, justamente no dia 25 de dezembro de 2024.
As lembranças permanecerão para sempre e vamos vivendo na esperança de que o
aniversariante maior desse dia, se encarregará de cuidar e confortar os nossos
corações.
Desejo para você e sua família
um dia abençoado!
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