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terça-feira, 27 de maio de 2025


A outra metade da barata...
(Experiência do mutirão missionário para implantação da Primeira Igreja Batista em Bom Jesus do Galho, Minas Gerais)

Bom Jesus do Galho é uma cidade mineira que fica na região do Vale do Rio Doce, mas pertence ao cordão metropolitano do Vale do Aço e foi emancipada de Caratinga em 31 de julho de 1943. Conheci a cidade através de um Projeto da Junta de Missões Nacionais chamado de Mutirão Missionário que consistia juntar um grupo de jovens de vários locais e de alguns estados do Brasil, para sair de casa em casa compartilhando o evangelho.

A cidade era pequena e naquela época o meio mais prático de chegar até lá era através de carro ou ônibus, pelas estradas ora empoeiradas e, em outros momentos, com muito barro, pois o asfalto era apenas um sonho. Logo na chegada da cidade, para quem vinha de Caratinga, do lado esquerdo, estava a padaria e ao lado o açougue do mesmo dono, Sr. Juvenal.

Do lado direito, ficava a imponente Matriz da Igreja Católica, com as suas escadas e seu carrilhão que tocava a cada hora e, nos primeiros dias, acordei assustado durante a noite com o som que ficava justamente na direção do meu quarto.

Nos anos oitenta, cheio de vigor e muita energia, cheguei numa segunda-feira com um grupo de mais cinco jovens nos instalamos na pensão familiar do Sr. Nelson, que cuidava do estabelecimento com sua esposa e filha. Era um homem muito tímido e reservado, mas sua esposa e filhas tornavam o ambiente agradável, pois espalhavam simpatia. Nossa equipe, mesmo pequena, era extremamente empolgada e isso nos ajudava a avançar os 21 dias, que ficamos na cidade trabalhando no projeto.

Apesar do frio que fazia no lugar, por ser o mês de julho, a rotina do grupo era levantar bem cedo, para o encontro devocional, que consistia em fazer orações, leituras e compartilhamento de experiências. Após o café, era o tempo de sair às visitas que sempre eram cheias de surpresas, pois as pessoas da cidade estavam curiosas com o grupo de jovens. Em algumas casas fomos bem recebidos e em outras as portas sequer foram abertas. Isso não mudava e nem tirava o nosso ânimo.

Naquele turbilhão de emoções da juventude aconteceu um fato que mudou radicalmente a forma como as pessoas nos recebiam. Havia um padre novo na cidade, tão novo quanto eu, e ambos gostavam de futebol. Todas as segundas e terças, havia um jogo na quadra que ficava no centro da cidade e então resolvemos marcar para semana seguinte uma partida entre o time do pastor e do padre.

Foi um acontecimento que parou a pequena cidade numa segunda-feira, por volta das 19h. As torcidas organizadas fizeram a festa e torceram pelo espetáculo, pois tive o cuidado de misturar os jogadores para não criar rivalidades e foi um grande jogo e ao final todos foram aplaudidos pela festa proporcionada pelos times do pastor e do padre. Nos tornamos amigos e gostei muito de ouvir histórias das Minas Gerais e contar algumas do Rio de Janeiro. A partir daquele dia, foi fácil fazer amizade com o povo da cidade.

Os nossos dias naquela cidade eram bem movimentados e interessantes. Saíamos pela manhã e a cada casa que era visitada, além de entrar e conversar sobre assuntos variados, preencher o nosso relatório, sempre nos ofereciam não um simples cafezinho, mas um daqueles antigos copos duplos e bem cheios e, confesso que, ao final da manhã, já havia consumido, sem exagero, mais de um litro da bebida.

Depois de alguns dias nos ambientamos na cidade e adquirimos um hábito de todo final de tarde, no retorno das atividades, passar na padaria, ouvir mais histórias do Sr. Juvenal e comprar o famoso bolo de fubá, muito disputado pelos membros da minha equipe. Depois de uma grande disputa, tomei posse do meu e pedaço e enquanto caminhava os quarenta metros entre a padaria e a pensão, fui pensando no esperado momento do café da tarde. Era um tempo de compartilhar as experiências do dia.

Ao chegar na pensão fui direto ao meu quarto, que também funcionava como escritório com uma mesinha espremida entre duas camas e uma janela que ficava de frente para rua. O cheirinho de café exalava pelo ar e praticamente fui conduzido pelo aroma até um lugar. Cheguei, sentei e com muito cuidado depositei o líquido no copo, peguei o meu pedaço de broa, dei uma preciosa mordida, e tomei um bom gole de café. Aquele momento foi tão importante que me fez viajar pela minha infância pelas broas que a minha mãe fazia muitas vezes no velho fogão de lenha.

Meus pensamentos divagavam totalmente livres de amarras e a mordida sentia o gosto da liberdade da minha infância. Um voo totalmente livre, apesar de estar bem sentadinho à mesa com meus amigos. Tudo corria muito bem, até que meus pensamentos foram interrompidos por um som crocante que senti da minha boca em certo momento de uma das minhas mastigações. Muitos pensamentos passaram pela minha cabeça, mas desconfiado, cuidadosamente, olhei para o pedaço da broa que estava na minha mão, sem querer imaginar o que poderia estar acontecendo e, para o meu desespero, descobri que havia a metade de uma barata.

Levantei-me imediatamente e corri para o banheiro e coloquei-me a lavar a boca com tanta vontade que, por um momento, imaginei que retiraria todo o esmalte dos meus dentes de tanta força empregada na escovação. Voltei à mesa e resolvi conferir o pedaço que havia deixado no prato, pois, na minha ilusão, poderia ter tido uma impressão errada, mas, para o meu desgosto, lá estava a outra metade da barata.

Naquele momento, meus colegas de equipe foram solidários e um deles me acompanhou até a padaria para reclamar com o Sr. Juvenal, que foi muito simpático e me disse: “ainda bem que era barata velha, pois se fosse novinha você comeria e nem sentiria!” Caímos na risada e assim a questão foi resolvida, mas confesso que fiquei mais de uma semana sem comer bolo de fubá e comia pão aos pedaços para evitar acidentes desagradáveis.

Ao final dos 21 dias de trabalho incessante, foi muito difícil deixarmos a cidade, pois alugamos um local para nossas reuniões e anos depois foi organizada como Primeira Igreja Batista em Bom Jesus do Galho. Fico feliz por ter liderado a equipe que deu os primeiros passos na organização daquela congregação, mas a história da barata jamais será esquecida. Claro que nos dias atuais a possibilidade de tal fato ocorrer é bem reduzida, mas pode acontecer. Esteja atento!

É isso por hoje... é vida que segue!

2 comentários:

  1. Kkkkk!!!! Como diz um velho dito, pior que comer um bicho da goiaba é comer a metade dele.

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  2. O fato da barata é triste kkk. Mas me fez reportar aos projetos evangelísticos! Coisa boa demais!!!

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