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sexta-feira, 21 de junho de 2024


O caso do cinto de Miguel*

Num passado não tão distante, às igrejas evangélicas tinham uma tradição de fazer em todos os anos no período do carnaval retiros espirituais que consistiam em escolher um local de preferência uma escola, onde passavam os quatro dias de folias longe do barulho.

Eis que uma certa igreja em Cachoeiro de Itapemirim que fica num bairro chamado aquidaban, nome indígena e que significa “entre rios, terras férteis e aguadas”. Essa igreja tinha tradição de fazer aquele tipo de retiro e os dias eram bem animados e as noites, melhores ainda.

Nas semanas que antecediam os retiros a comissão organizadora procurava preparar tudo: compravam os alimentos não perecíveis; separavam as equipes (limpeza, organização, cozinha) e os músicos preparavam seus instrumentos para suportarem quatro dias de intenso uso a todo volume.

Na sexta-feira, noite anterior à viagem a ansiedade era tanta que praticamente era quase impossível dormir, pois a cabeça girava em torno dos dias que seriam vividos no encontro. Tudo pronto, esteiras, lençóis, travesseiros, pratos e talheres, para os quatro dias. Não faltava nada e era só entrar no ônibus e deixar a imaginação ganhar forma de realidade.

Naquele retiro a escola escolhida foi numa região praiana do litoral capixaba, numa cidade chamada Piúma um município bastante aconchegante. Tudo pronto, ônibus cheio e carros preparados. Hora de viajar!

Ao chegar na escola, a divisão previamente feita foi colocada em prática: homens numa sala, mulheres com crianças noutra sala, mulheres sem criança numa terceira sala e cozinheiras separadas pois tinham que levantar muito cedo, para preparem o café da manhã.

O final de sábado foi muito legal, pois além do reencontro com os amigos, podíamos testar os nossos instrumentos praticamente com todo o volume sem pensar com os nossos vizinhos, uma vez que na igreja era impossível tocar à vontade e com liberdade, pois todo momento tinha um diácono pedindo para diminuir o som, caso contrário a polícia seria chamada por perturbação à ordem.

No sábado, tudo transcorreu normalmente, o programa da noite foi festivo e todos participaram alegremente e as brincadeiras (chamada de sociais) após a reunião envolveram toda juventude. A primeira noite parecia que nunca terminaria tamanha era empolgação da galera. Próximo as 23h, todos estavam nos quartos, mas dormir que era bom, isso só acontecia entre 2h e 3h da madrugada.

No domingo pela manhã, todos foram na EBD da Igreja local e à tarde uma partida esperada partida de futebol, predominante dominada pelos jovens “veteranos” enquanto os adolescentes e os mais novos se contentavam em assistir e se fosse ruim de bola servia como gandula, aquele que pega a bola quando sai de campo e naquele caso caia no mato.

Na parte da noite nos preparamos para o programa da noite na igreja e lá fomos nós. E segundo me contaram quando dois daqueles adolescentes chegaram no templo se lembraram que haviam esquecido o caderno e caneta para anotarem o sermão e resolveram voltar na escola para pegar o material.

Assim que chegaram na escola, entraram no quarto dos meninos, passaram entre os varais repletos de toalhas e algumas poucas peças de roupas, dentre elas uma calça jeans que parecia da marca Levis presa por um belíssimo cinto legitimo que o dono resolveu deixar secando para usar no dia seguinte.

Era um cinto de couro com uma fivela bem bonita e bem largo de acordo com a moda daquele tempo. Aqueles meninos olharam para o cinto e tiveram a bela ideia de adolescentes que não têm o que fazer: - vamos dar um nó nesse cinto? -Vamos! Respondeu o outro! Cada um segurou de um lado e como narraram, usaram toda a força que tinham para completar o serviço. Foi um daqueles nós chamados de cego, difícil de fazer e pior ainda para desatar. Ficaram felizes com a obra realizada e rapidamente voltaram para o templo religioso.

Chegaram normalmente no templo e assistiram toda celebração que fora maravilhosa e como o grupo era grande o retorno foi bem demorado, mesmo porque as brincadeiras no pátio da igreja foram até mais tarde do previsto, mas finalmente retornaram à escola e todos foram para os seus quartos.

Quando entraram no quarto, viram uma cena, daquela que jamais seria esquecida. O dono do cinto estava super indignado e dizia: - eu quero saber quem foi o moleque que fez isso? Se eu pego esse desalmado, ele vai ver o que é bom. Eu acabo com a raça dele. Fiquei sabendo que o rapaz estava tão nervoso que os seus lábios tremiam de raiva e as palavras saiam enroladas tamanha era a revolta.

Nesse momento entrou um grupo procurando apaziguar o rapaz superchateado e desejoso de esganar os autores daquela brincadeira sem noção e após muito tempo os ânimos foram acalmados e ele ficou lamentando no canto do quarto o seu cinto de couro danificado. Foi uma cena muito triste pois quando aqueles meninos pensaram na brincadeira não se atentaram para o quão prejudicial ela seria.

Os outros dias foram maravilhosos e até onde me contaram aqueles meninos não mais brincaram daquele jeito e pelo menos e penso que os participantes daquele retiro não ficaram sabendo de quem fora a autoria daquela brincadeira insana que apesar de ser traquinagem da adolescência, poderia ter causado uma confusão muito com consequências catastróficas.

Mas confesso que não sei ou melhor, claro que sei, mas não posso contar os nomes dos meninos que estragaram o cinto do nosso amigo que não se encontram mais conosco, mas foi um excelente companheiro de Conjunto, nome que se dava aos grupos musicais daquela época. Amigo, descanse em paz!

Pelo menos foi essa história que me foi contada, pois no dia da confusão tenho uma vaga lembrança de onde estava naquele momento... minha memória não está ajudando ou será que está sendo conveniente? Deixo a decisão com você....

É isso por hoje...

É vida que segue...

 * Nome fictício

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