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quarta-feira, 26 de junho de 2024



O ser humano é um quadrúpede de dois pés
(Conversas de ônibus)

Quem nasce no interior de uma cidade como Cachoeiro, numa época em que os carros eram exclusividade de poucos e quando alguém passava adoecia se pedia favor a um vizinho ou então ligava para o SAMU – Serviço Médico de Urgência que se encarregava de transportar o doente. Tempos difíceis, porém, bons tempos.

Quando me mudei para o Rio de Janeiro, no início da década dos anos oitenta, cheguei naturalmente na cidade com aquela mentalidade do interior, mas de início fiquei empolgado com a quantidade de ônibus que passavam pelo Seminário do Sul do Brasil, encravado ao final da Avenida José Higino, 416, bairro Tijuca.

Minha primeira tarefa era aprender a andar de ônibus na cidade, considerando que os carros azuis da CTC, além de barulhentos, os motoristas e cobradores não tinham muita paciência com os passageiros e confessos que passei por vários apertos, além de custar entender que haviam linhas que iam num sentido e na volta passavam por outros lugares, pois naquela época estavam construindo a estação do metrô que chegava na praça Saens Pena.

Pode parecer loucura, mas comecei a gostar da ideia de entrar no coletivo e sentar no cantinho, todo encolhido com medo de assalto e ir até o final do Forte em Copacabana, apenas para conhecer as belezas da Cidade Maravilhosa. Essa era a nossa diversão no interior: dar uma volta de ônibus. Alguns amigos me chamam de louco por preferir andar de ônibus até os dias de hoje.

Fui conhecendo aos poucos a cidade e tenho uma amiga que mora na região próxima de Bangu e nos primeiros finais de semana ia para sua casa e o trajeto era bem interessante, pois embarcava no 638, que saía da Praça Saens Peña e dava uma volta ao mundo e duas horas depois, quando não enfrentava engarrafamento chegava a Marechal Hermes e embarca para Bangu e lá chegando irá para Santíssimo. Levava no mínimo três horas dentro de três ônibus.

Não dá para deixar de registrar que Deus sempre envia anjos que vão adiante de nós preparando os nossos caminhos e nesse caso preciso citar uma pessoa mais que amiga, verdadeira irmã e querida, Jorgina Ferreira Vieira da Ponte que morava com sua família em Santíssimo. Eu a conheci dias antes de viajar para o Rio e fui acolhido por ela todos os meus primeiros finais de semanas na Cidade Maravilhosa. Sou grato pelo carinho e acolhida que marcaram para sempre a minha vida.

Eu adorava, pois, cada viagem me proporcionou uma emoção diferente, mas como nem tudo é festa: quando tinha jogo no Maracanã a emoção era doída; as pessoas se espremiam. Era sonora, pois as cantorias das torcidas eram vibrantes, isso sem contar com os elogios que o motorista da vez recebia. Como não poderia deixar de ser ardida, pois o “cheiro” exalado num coletivo “apinhado” de gente num calor de quase 40 graus, era difícil de suportar. Isso não dá para esquecer!

Foram praticamente 15 anos rodando pelo Rio de Janeiro de ônibus, ora morando na Ilha do Governador ou no Anil em Jacarepaguá. Foram viagens bem interessantes, mas o que mais chamava a atenção eram as histórias que aprendi a ouvir dos cariocas. Aliás, devo registrar que com todo respeito aos demais estados, gosto do jeitão descolado do carioca de ser: tá bom meu irmão; não acredito... tô indo pra lá e te levo; só se for agora. Isso sem contar as muitas histórias que ouvia nos coletivos.

Certa vez quando morava no bairro Cacuia na Ilha do Governador e naquela época precisava sair bem cedo de casa para embarcar no ônibus que fazia Freguesia x Saens Pena, pois, precisa chegar bem cedo no Colégio Batista Shepard, ouvi uma conversa entre dois homens que reclamavam da educação das pessoas e um deles saiu com essa frase: “o ser humano é um quadrúpede de dois pés”.

Permaneci quietinho no meu cantinho ouvindo o desenrolar da história para entender o motivo daquela frase que saiu com um sentimento de pesar e ele começou a explicar o que havia acontecido no dia anterior: ele estava sentando e fez ameaçou levantar para oferecer lugar para uma senhora que foi extremamente agressiva, dizendo coisas do tipo: não quero sentar, não sou deficiente, não lhe pedi nada, não preciso de ajudar sua e mesmo se eu precisasse não seria a você que me dirigiria. O homem estava arrasado.

Fiquei divagando sozinho nos meus pensamentos: o tratamento e respeito daquela mulher foi de um ser humano quadrúpede de dois pés, mas ainda bem que a maioria esmagadora  dos outros humanos são educados e não precisam ser comparados aos animais e o melhor de tudo é que você e eu, fazemos parte desse grupo.

Ainda hoje, quando retorno ao Rio, sempre gosto de andar de ônibus. Sei que isso parece meio louco, mas é uma oportunidade de ver a cidade a partir de um coletivo e como os tempos são outros as pessoas não conversam com menos vontade do que nos tempos passados. Cada pessoa pega o seu celular e viajava pelas telas e confesso que pelo fato de não ter meus reflexos apurados como antigamente, prefiro pegar o meu livro e mergulhar na medida do possível nas minhas leituras... mas sempre com os olhos no livro e ouvidos nas histórias.

É isso por hoje... é vida que segue!

 

 





domingo, 23 de junho de 2024


Gratidão...

Já fui levado a vários lugares pela música... mas fui!

Já cantei em várias escolas diante de alunos extasiados assim é a arte... mas cantei!

Já permaneci em palcos que deixaram o meu emocional em desespero, pela responsabilidade... mas permaneci!

Já toquei para plateias que me paralisaram diante dos ensaios de vaias, sim isso foi num festival de música há anos na cidade maravilhosa... mas toquei!

Já participei de diversas cantatas algumas como narrador, solista, corista e nos bastidores... mas participei!

Já reencontrei vários amigos em apresentações memoráveis e inesquecíveis... mas que maravilha ... sim, reencontrei!

Já vibrei com em várias apresentações, mas em nenhuma delas foi tão prazerosa como essa na Catedral de São Pedro com o Coral Viva Você... pois tive a honra de ter no público, parte da minha família... minha querida mãe e irmãs.

Sou grato a Deus pela presença delas e a minha noite brilhou com mais intensidade.

Sou grato a Deus pela música ter entrado em nossa família através de Dona Maria Gomes que cantava dia e noite os hinos do velho Cantor Cristão.

Sou grato a Deus pois nos tempos de adversidades, ela sempre levou muito a sério o hábito de cantar em lugar de murmurar.

Sou grato a Deus pela noite: obrigado Coral Viva Você (na pessoa de Nara Peres e todo grupo) obrigado Sueli Maria Gomes, Solange Gomez, por nos prestigiarem!

Está no momento de encerrar afirmando do fundo do meu coração... essa foi a minha melhor apresentação... devido a presença de vocês!

Gratidão... e com muito carinho!

sexta-feira, 21 de junho de 2024


O caso do cinto de Miguel*

Num passado não tão distante, às igrejas evangélicas tinham uma tradição de fazer em todos os anos no período do carnaval retiros espirituais que consistiam em escolher um local de preferência uma escola, onde passavam os quatro dias de folias longe do barulho.

Eis que uma certa igreja em Cachoeiro de Itapemirim que fica num bairro chamado aquidaban, nome indígena e que significa “entre rios, terras férteis e aguadas”. Essa igreja tinha tradição de fazer aquele tipo de retiro e os dias eram bem animados e as noites, melhores ainda.

Nas semanas que antecediam os retiros a comissão organizadora procurava preparar tudo: compravam os alimentos não perecíveis; separavam as equipes (limpeza, organização, cozinha) e os músicos preparavam seus instrumentos para suportarem quatro dias de intenso uso a todo volume.

Na sexta-feira, noite anterior à viagem a ansiedade era tanta que praticamente era quase impossível dormir, pois a cabeça girava em torno dos dias que seriam vividos no encontro. Tudo pronto, esteiras, lençóis, travesseiros, pratos e talheres, para os quatro dias. Não faltava nada e era só entrar no ônibus e deixar a imaginação ganhar forma de realidade.

Naquele retiro a escola escolhida foi numa região praiana do litoral capixaba, numa cidade chamada Piúma um município bastante aconchegante. Tudo pronto, ônibus cheio e carros preparados. Hora de viajar!

Ao chegar na escola, a divisão previamente feita foi colocada em prática: homens numa sala, mulheres com crianças noutra sala, mulheres sem criança numa terceira sala e cozinheiras separadas pois tinham que levantar muito cedo, para preparem o café da manhã.

O final de sábado foi muito legal, pois além do reencontro com os amigos, podíamos testar os nossos instrumentos praticamente com todo o volume sem pensar com os nossos vizinhos, uma vez que na igreja era impossível tocar à vontade e com liberdade, pois todo momento tinha um diácono pedindo para diminuir o som, caso contrário a polícia seria chamada por perturbação à ordem.

No sábado, tudo transcorreu normalmente, o programa da noite foi festivo e todos participaram alegremente e as brincadeiras (chamada de sociais) após a reunião envolveram toda juventude. A primeira noite parecia que nunca terminaria tamanha era empolgação da galera. Próximo as 23h, todos estavam nos quartos, mas dormir que era bom, isso só acontecia entre 2h e 3h da madrugada.

No domingo pela manhã, todos foram na EBD da Igreja local e à tarde uma partida esperada partida de futebol, predominante dominada pelos jovens “veteranos” enquanto os adolescentes e os mais novos se contentavam em assistir e se fosse ruim de bola servia como gandula, aquele que pega a bola quando sai de campo e naquele caso caia no mato.

Na parte da noite nos preparamos para o programa da noite na igreja e lá fomos nós. E segundo me contaram quando dois daqueles adolescentes chegaram no templo se lembraram que haviam esquecido o caderno e caneta para anotarem o sermão e resolveram voltar na escola para pegar o material.

Assim que chegaram na escola, entraram no quarto dos meninos, passaram entre os varais repletos de toalhas e algumas poucas peças de roupas, dentre elas uma calça jeans que parecia da marca Levis presa por um belíssimo cinto legitimo que o dono resolveu deixar secando para usar no dia seguinte.

Era um cinto de couro com uma fivela bem bonita e bem largo de acordo com a moda daquele tempo. Aqueles meninos olharam para o cinto e tiveram a bela ideia de adolescentes que não têm o que fazer: - vamos dar um nó nesse cinto? -Vamos! Respondeu o outro! Cada um segurou de um lado e como narraram, usaram toda a força que tinham para completar o serviço. Foi um daqueles nós chamados de cego, difícil de fazer e pior ainda para desatar. Ficaram felizes com a obra realizada e rapidamente voltaram para o templo religioso.

Chegaram normalmente no templo e assistiram toda celebração que fora maravilhosa e como o grupo era grande o retorno foi bem demorado, mesmo porque as brincadeiras no pátio da igreja foram até mais tarde do previsto, mas finalmente retornaram à escola e todos foram para os seus quartos.

Quando entraram no quarto, viram uma cena, daquela que jamais seria esquecida. O dono do cinto estava super indignado e dizia: - eu quero saber quem foi o moleque que fez isso? Se eu pego esse desalmado, ele vai ver o que é bom. Eu acabo com a raça dele. Fiquei sabendo que o rapaz estava tão nervoso que os seus lábios tremiam de raiva e as palavras saiam enroladas tamanha era a revolta.

Nesse momento entrou um grupo procurando apaziguar o rapaz superchateado e desejoso de esganar os autores daquela brincadeira sem noção e após muito tempo os ânimos foram acalmados e ele ficou lamentando no canto do quarto o seu cinto de couro danificado. Foi uma cena muito triste pois quando aqueles meninos pensaram na brincadeira não se atentaram para o quão prejudicial ela seria.

Os outros dias foram maravilhosos e até onde me contaram aqueles meninos não mais brincaram daquele jeito e pelo menos e penso que os participantes daquele retiro não ficaram sabendo de quem fora a autoria daquela brincadeira insana que apesar de ser traquinagem da adolescência, poderia ter causado uma confusão muito com consequências catastróficas.

Mas confesso que não sei ou melhor, claro que sei, mas não posso contar os nomes dos meninos que estragaram o cinto do nosso amigo que não se encontram mais conosco, mas foi um excelente companheiro de Conjunto, nome que se dava aos grupos musicais daquela época. Amigo, descanse em paz!

Pelo menos foi essa história que me foi contada, pois no dia da confusão tenho uma vaga lembrança de onde estava naquele momento... minha memória não está ajudando ou será que está sendo conveniente? Deixo a decisão com você....

É isso por hoje...

É vida que segue...

 * Nome fictício

sábado, 15 de junho de 2024


A velha Maria Fumaça na estação de Tiradentes... 

São muitas lembranças que passaram pela minha mente ao chegar nessa estação repaginada e pronta para levar os turistas para um passeio de trem ao estilo do passado. Fiquei impressionado com a locomotiva restaurada e que me trouxe lembranças que decidi compartilhar.

Lembranças de um passado longínquo... da velha estação de Cachoeiro de Itapemirim, desativada há anos.

Lembranças dos tempos de criança, quando viajávamos de Cachoeiro para Parada de Coronel Benjamin e Salgadinho para visitar os parentes.

Lembranças do meu saudoso pai que passou mais da metade de sua vida de trabalho na Rede Ferroviária Federal, antiga Leopoldina.

Lembranças de minha vó por parte de pai que era uma mulher de coração bom, mas conviveu muito poucos com os seus netos e permitiu Deus que ela morresse na viagem na estrada de ferro que ligava Vitória x Cachoeiro.

Lembranças de um tempo de infância que foi vivido em grande parte percorrendo os trilhos dos trens na estação da cidade ou nos tempos de férias que foram vividos em Ibitiruí e Matilde, distritos de Alfredo Chaves.

As composições dos três eram de madeira e quem viajava de primeira classe os bancos eram de uma espécie de plástico grosso e poroso e os bancos inclinavam timidamente através de uma alavanca. Na segunda classe, madeira maciça e sem nenhum conforto ou possibilidade de mexer nos bancos pois eram fixos.

Lembranças de viagens que eram abarrotadas de pessoas com tudo aquilo que precisavam carregar, desde malas, bolsas e animais comestíveis ou não e isso transformava o tempo do percurso uma grande aventura, agradáveis para uns e totalmente desagradáveis para outro.

Lembranças da "merenda" que alguns passageiros levavam com medo do descarrilamento de alguma composição, pois o mesmo trem que levava passageiros, também levava cargas e quando acontecia um acidente levava horas ou dias para recolocar os trens nos trilhos.

Lembranças das recomendações que recebia dos meus pais, quando viajava sozinho para ter cuidado e basicamente de nada adiantava, pois eu descia em todas estações e aventurava embarcar no trem em movimento. Claro que nunca contei isso, mas nunca é tarde para confessar. 

Lembranças e saudades do meu velho pai, que deu muito de sua vida e trabalhou muito duro dias e noites no frio e chuvas, mas forçado a se aposentar por ter sofrido um AVC, trabalhando e saiu como um homem honrado e que fez amizades que foram honradas até o seu último momento de vida.

Lembranças que foram trazidas do fundo do meu coração com um gostinho de saudades boas de tempos que foram vividos com toda intensidade e quando veem à mente, acontecem de maneira gostosa como forma de agradecimento por ter vivido a história que Deus reservou para nossa família.

É isso por agora, pois outras lembranças com certeza virão... aqui ou em qualquer outro.

A Deus toda louvor e honra.