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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025


MOÇO, ME DESCULPE PELO DESABAFO

Moro num conjunto de prédios em Coqueiral de Itaparica no Município de Vila Velha, uma bela cidade do Espírito Santo. O condomínio é bem tranquilo, mesmo com um grupo de crianças de variados tamanhos e idades que resolvem se encontrar nas férias com frequência no horário de quando estão em aulas, consigo superar o barulho e aproveitar os meus dias de férias.

Certa manhã, saí de casa por volta das 08h, para tomar o meu café na Panetteria Gourmet, minha preferida no bairro, pois além do café e atendimento, consigo dar boas risadas e ainda observo cenas que sempre produzem ótimas crônicas.

Após trancar o portão do meu andar que é o último, iniciei a descida e por incrível que possa parecer, não encontrei com nenhuma criança disputando comigo os espaços da escada. Claro que essa peleja não me aborrece, pois sempre trocamos algumas palavras relacionadas aos jogos que estão desenvolvendo ou, até arrisco a fazer chutar a coitada de uma bola que sofre nos pés daqueles meninos.

Assim que desço o último lance de escada, chego direto no estacionamento que fica em frente ao meu prédio e os carros ficam estacionados na diagonal e ao lado bem na junção de um bloco no outro, temos um bicicletário. Atravessando o a espaço, encontramos um outro estacionamento que fica bem no meio dos três blocos com algumas árvores e que tornam o ambiente bem agradável.

Depois de cruzar mais quatro blocos de apartamentos chego na portaria principal do condomínio e cumprimento os funcionário e alguns por força do hábito me desejam um bom dia de trabalho, embora o meu traje fosse calção, sandálias, um saco de academia, indicando que o meu destino era uma caminhada a um lugar específico, no caso à Panetteria, mesmo porque o meu horário de sair para o trabalho normalmente é de madrugada.

Atravessei a primeira rua, passei pelo valão, alcançei a segunda via e comecei a caminhar, mas procurei atravessar a pista com muito cuidado pois o movimento de carros estava bem intenso naquele momento.

Começo a caminhar pela calçada sem nenhum tipo de preocupação como que tivesse todo o tempo do mundo, quando uma senhora se aproximou e começou a conversar inicialmente pedindo desculpas por estar chorando e iniciou uma história que me tocou profundamente.

Aquela senhora começou dizendo que não gostava da época de Natal pois as famílias se reuniam, mas especialmente no ano de 2024 ela estava muito triste pois perdera muitas pessoas queridas e isso a deixava muito incomodada. Ela estava com tanta vontade de desabafar que foi ligando uma história com outra. Disse que havia perdido uma grande amiga que se aposentara há três meses, após fazer um implante dentário malsucedido. Um grande sonho, se tornou um enorme pesadelo que lhe custou a própria vida.

Enquanto nos preparamos para atravessar uma das ruas que nos levaria à praça principal do bairro e quando me preparei para falar, ela imediatamente voltou a falar, agora demonstrando um grande sentimento de culpa, pois perdera uma sobrinha que vivia sozinha como ela e fora encontrada sem vida há 07 dias em função de um fulminante infarto. Aquela senhora se encontrava inconsolável e por mais que eu tentasse dizer algumas palavras, pareciam totalmente sem efeitos.

Com muita dificuldade, procurei ser solidário ao seu sofrimento e aproveitei para compartilhar o ano difícil que eu havia vivido como família e que o meu Natal, também seria com muitas lembranças e recordações, mas que aqueles momentos precisavam ser vividos com as pessoas que são importantes nas nossas vidas. Num raro momento de escuta, ela concordou com a minha fala.

Fiz menção de virar à esquerda e atravessar uma via para passar dentro do estacionamento de um grande supermercado, percebi que ela me acompanhou e continuamos. Ela me disse que estava indo visitar um sobrinho que também mora sozinho e ela estava muito apreensiva querendo saber notícias dele.

Ao passarmos pela entrada principal do supermercado, ela me agradeceu e disse: “Como foi bom conversar com você, estou me sentindo mais leve e você não tem ideia de como me ajudou”! Foi aí que pensei: não fiz nada além de ouví-la e pelo menos tentar dizer algumas palavras.

Quando estávamos prestes a encerrar o encontro, indaguei: a senhora vai fazer compras? Ao que ela me respondeu: não, apenas vou andar um pouco, olhar prateleiras, observar os produtos e depois visitar o meu sobrinho. Claro que aproveitei para incentivá-la a percorrer o estabelecimento, conversar com as pessoas e funcionários que isso faz muito bem para o emocional.

Segui o meu caminho pensando o quanto estamos tão sozinhos num tempo em que nunca foi tão fácil se comunicar. Recebemos notícias e falamos com qualquer parte do mundo, como se o outro estivesse ao lado do nosso quarto. Sabemos notícias do Japão em tempo real, mas desconhecemos o sofrimento do vizinho que mora diante do nosso apartamento; das pessoas com as quais convivemos nas nossas igrejas domingo após domingo; dos nossos colegas de trabalho e daquele grupo que costumo chamar de núcleo duro que é a nossa família.

Desabafar tem sido algo muito raro nos nossos dias. Falo do desabafo da alma e gosto de usar a expressão de uma amiga que diz: desabafar é poder pensar em voz alta com alguém que vá te ouvir, sobre sentimentos aprisionados que nos fazem sofrer, sem receber julgamentos e censuras que nos fazem viver com segredos que estão solapando o emocional de muita gente.

Pensando nisso entendi muito bem aquela senhora. Encontrou alguém que ela nunca havia visto na vida e resolveu abrir sem reservas, o seu coração e lavar a sua alma. Acredito que este tempo seja de repensar nossas atitudes, com respeito aos segredos que as pessoas nos confiam, pois caso não tenhamos nada ou muito pouco a dizer, que sejamos pelo menos bons ouvintes e uma boca fechada quanto aos segredos que alguém possa nos revelar.

Minha conversa com aquela senhora que nem me deu oportunidade de perguntar o seu nome, pois percebi que o importante para ela era apenas falar das dores da sua alma para um estranho que se mostrou receptivo para ouvir um coração machucado com as coisas da vida.

Ah, sim! A senhora pode ficar tranquila: está desculpada pelo desabafo.

É isso por hoje... é vida que segue!

 


sexta-feira, 10 de janeiro de 2025


Os Avessos da Vida

Como todos os dias faço, cheguei bem cedo ao trabalho pois gosto de tomar o meu café na Lanchonete Caldo de Cana e pensar em voz alta com os amigos que tive o prazer de conhecer na minha jornada diária. Nunca falamos sobre política ou religião, mas futebol é assunto obrigatório.

Assim que cheguei ao estacionamento para deixar o meu carro, fui informado que os prédios da Secretaria de Estado da Educação, estavam sem luz e logo pensei: hoje, será um longo dia atípico e cheio de telefonas de servidores querendo saber se deveriam ou não comparecer ao trabalho. 

Saí dali, passei pela entrada dos fundos da sede e atravessei a avenida César Hilal que naquele momento estava tranquila e cumprimentei os trabalhadores de um restaurante vizinho e finalmente cheguei à lanchonete. Depois de um excelente café, conversas diversas e um gostoso pão de queijo, retornei à Secretaria.

Na minha sala o ambiente estava como um sacrário. Os computadores estavam como se fossem coisas sagradas, aguardando o momento de serem manuseados pelas autoridades devidamente preparadas para os cerimoniais diários. É muito estranho um lugar que é literalmente um verdadeiro frenesi com gente correndo para atender as mais diversas demandas... de repente fica silencioso e  sem vida, por falta de energia elétrica.

Observando o ambiente, fiquei a pensar que em vários momentos nossa vida se assemelha a um local sem energia. São os chamados avessos da vida. Mas como isso acontece? É um estado constante? Isso impacta a nossa existência?

Nossa primeira reflexão está no fato de que de tempos em tempos, uns mais e outros menos, enfrentamos vários tipos e diferentes níveis de dificuldades. O segredo é enfrentar os problemas de frente, pois quanto mais procrastinamos, eles se avolumam.

Compreendo que devemos eleger um problema para começar. Tem gente que senta diante de um emaranhado de questões da vida e fica ruminando sobre eles, mas nunca decide por onde começar. Escolha uma luta e comece por ela estabelecendo alvos mensuráveis que lhe ajudarão avançar na batalha.

Finalmente, procure tomar a atitude que acho uma das mais difíceis: manter a calma e procurar ser resiliente. É buscar a paz de espírito diante de situações difíceis. É não perder o norte da sua caminhada, ainda que as situações sejam desfavoráveis, pois é assim que avançamos e vencemos as grandes batalhas da vida. Essas atitudes são fundamentais para os enfrentamentos das intempéries da vida.

Preciso te confessar que em certos tempos enfrentaremos momentos  duros na vida, mas precisamos aprender a navegar com toda vontade e cuidado quando as águas nos forem favoráveis, pois se um dia o mar ficar revolto, teremos energia suficiente para continuar na viagem da nossa existência.

É isso por hoje... é vida que segue!

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025


O caso da menina esquecida no ônibus

Era uma família enorme para os padrões dos nossos dias. Com os pais formavam o número chegava a cinco pessoas, logo eram três filhas. Meninas bonitas e muito bem cuidadas pela dedicada mãe. O trabalho era incansável durante a semana, pois além de lutar para o sustento das meninas, era preciso alimentá-las, penteá-las, vesti-las e isso dava um trabalho tremendo.

A semana era sempre muito corrida, mas a família adorava quando chegava o domingo. Todos precisavam levantar muito cedo, pois era o dia de ir à igreja. A mãe era a primeira a pular da cama e iniciava uma batalha de acordar as meninas, enquanto o pai corria até a padaria que não ficava muito próxima de casa para comprar alguns pães para o café.

Todos de café tomado era hora de ir bem rápido para o ponto de ônibus que deixaria a família bem perto da Igreja Batista Morada de Camburi. Os tempos eram outros e a quantidade de ônibus que circulavam na Grande Vitória era bem menor e por isso demoravam bastante, principalmente aos domingos.

Chegaram na igreja e cada um foi para sua sala da Escola Bíblica Dominical. A igreja tinha salas com professoras especialistas em atividades com as crianças e a cada domingo pela manhã, parece que as meninas ganhavam nova vida devido a paixão que elas tinham pelas “tias das salinhas.”

Normalmente após a EBD, havia o culto no templo e as famílias se sentavam juntas e quando possível na mesma bancada e as crianças por sua vez, ficavam bem atentas na medida do possível, nas falas dos adultos. Algumas vezes era preciso chamar atenção, pois nenhuma criança consegue ficar ouvindo adulto falar por mais de quinze minutos. Finalmente o culto terminou e chegou o momento de voltar para casa.

O percurso da igreja até o ponto de ônibus não era tão longo e o coletivo não demorou chegar. Naquele tempo não havia o aplicativo da GVbus. A família entrou no coletivo e a filha mais nova, sentou-se nas primeiras cadeiras e como era muito falante, começou a conversar com uma senhora enquanto a viagem prosseguia.

Chegando ao ponto perto da casa a família se apressou em descer e o ônibus seguiu viagem e só então no momento de atravessar a rua era preciso juntar as crianças, mas se deram conta de que a filha mais nova fora esquecida no coletivo. Um domingo que começara bem, estava dando mostras que poderia não terminar como havia começado.

Em pouco tempo e como sempre acontece houve um início de tensão e a pergunta que não queria calar: de quem foi a culpa? Você não olhou sua irmã? Meu Deus que faremos? A primeira providencia foi mandar uma das irmãs mais velha no ônibus que veio em seguida para tentar encontrar a menina de cinco anos.

Enquanto isso, a menina esquecida no ônibus, conversava com uma senhora que achou estranho uma criança tão esperta e falante sozinha, uma vez que o coletivo chegara no ponto final.

O motorista e aquela senhora indagaram a criança sobre os pais e onde ela morava e para surpresa geral ela falou o nome do pai, da mãe e como não bastasse o nome e o telefone de uma vizinha que logo foi contactada e os pais foram informados que a menina estava bem e foi devolvida em segurança à família.

Tive oportunidade de conhecer essa história há dias, ouvindo a própria matriarca e conheci aquela menina que gostava tanto de conversar, agora é mãe de uma linda criança e pedi permissão para contar a história sem mencionar nomes.

Aprendi com essa história apesar de tensa teve o final feliz, pois havia uma criança desinibida que conversava com os pais, irmãs, vizinhas e procurava aprender coisas que poderiam parecer sem importância, mas foram fundamentais para ela retornar à família.

Aprendi com essa história que, no nosso dia a dia se o nosso smartphone der um defeito é muito provável que nem o número do telefone da esposa, esposo, filhos, parentes, vizinhos não saberemos, pois somos dependentes da agenda do nosso aparelho. Que triste!

Aprendi ainda que criança precisa de vigilância o tempo inteiro pois muitas vezes num pequeno descuido, coisas ruins podem acontecer e se transformarem em tragédias que deixam marcas para sempre nas famílias.

Aprendi que Deus foi bondoso com os pais da menina e a história terminou bem, embora tenha causado um grande susto em toda família.

É o que temos para hoje... é vida que segue!