MOÇO, ME DESCULPE PELO DESABAFO
Moro
num conjunto de prédios em Coqueiral de Itaparica no Município de Vila Velha,
uma bela cidade do Espírito Santo. O condomínio é bem tranquilo, mesmo com um
grupo de crianças de variados tamanhos e idades que resolvem se encontrar nas
férias com frequência no horário de quando estão em aulas, consigo superar o
barulho e aproveitar os meus dias de férias.
Certa
manhã, saí de casa por volta das 08h, para tomar o meu café na Panetteria
Gourmet, minha preferida no bairro, pois além do café e atendimento, consigo
dar boas risadas e ainda observo cenas que sempre produzem ótimas crônicas.
Após
trancar o portão do meu andar que é o último, iniciei a descida e por incrível
que possa parecer, não encontrei com nenhuma criança disputando comigo os
espaços da escada. Claro que essa peleja não me aborrece, pois sempre trocamos
algumas palavras relacionadas aos jogos que estão desenvolvendo ou, até arrisco
a fazer chutar a coitada de uma bola que sofre nos pés daqueles meninos.
Assim
que desço o último lance de escada, chego direto no estacionamento que fica em
frente ao meu prédio e os carros ficam estacionados na diagonal e ao lado bem
na junção de um bloco no outro, temos um bicicletário. Atravessando o a espaço,
encontramos um outro estacionamento que fica bem no meio dos três blocos com
algumas árvores e que tornam o ambiente bem agradável.
Depois
de cruzar mais quatro blocos de apartamentos chego na portaria principal do
condomínio e cumprimento os funcionário e alguns por força do hábito me desejam
um bom dia de trabalho, embora o meu traje fosse calção, sandálias, um saco de
academia, indicando que o meu destino era uma caminhada a um lugar específico, no
caso à Panetteria, mesmo porque o meu horário de sair para o trabalho
normalmente é de madrugada.
Atravessei
a primeira rua, passei pelo valão, alcançei a segunda via e comecei a caminhar,
mas procurei atravessar a pista com muito cuidado pois o movimento de carros
estava bem intenso naquele momento.
Começo
a caminhar pela calçada sem nenhum tipo de preocupação como que tivesse todo o
tempo do mundo, quando uma senhora se aproximou e começou a conversar
inicialmente pedindo desculpas por estar chorando e iniciou uma história que me
tocou profundamente.
Aquela
senhora começou dizendo que não gostava da época de Natal pois as famílias se
reuniam, mas especialmente no ano de 2024 ela estava muito triste pois perdera
muitas pessoas queridas e isso a deixava muito incomodada. Ela estava com tanta
vontade de desabafar que foi ligando uma história com outra. Disse que havia
perdido uma grande amiga que se aposentara há três meses, após fazer um
implante dentário malsucedido. Um grande sonho, se tornou um enorme pesadelo
que lhe custou a própria vida.
Enquanto
nos preparamos para atravessar uma das ruas que nos levaria à praça principal
do bairro e quando me preparei para falar, ela imediatamente voltou a falar,
agora demonstrando um grande sentimento de culpa, pois perdera uma sobrinha que
vivia sozinha como ela e fora encontrada sem vida há 07 dias em função de um
fulminante infarto. Aquela senhora se encontrava inconsolável e por mais que eu
tentasse dizer algumas palavras, pareciam totalmente sem efeitos.
Com
muita dificuldade, procurei ser solidário ao seu sofrimento e aproveitei para
compartilhar o ano difícil que eu havia vivido como família e que o meu Natal,
também seria com muitas lembranças e recordações, mas que aqueles momentos
precisavam ser vividos com as pessoas que são importantes nas nossas vidas. Num
raro momento de escuta, ela concordou com a minha fala.
Fiz
menção de virar à esquerda e atravessar uma via para passar dentro do
estacionamento de um grande supermercado, percebi que ela me acompanhou e
continuamos. Ela me disse que estava indo visitar um sobrinho que também mora
sozinho e ela estava muito apreensiva querendo saber notícias dele.
Ao
passarmos pela entrada principal do supermercado, ela me agradeceu e disse: “Como
foi bom conversar com você, estou me sentindo mais leve e você não tem ideia de
como me ajudou”! Foi aí que pensei: não fiz nada além de ouví-la e pelo menos
tentar dizer algumas palavras.
Quando
estávamos prestes a encerrar o encontro, indaguei: a senhora vai fazer compras?
Ao que ela me respondeu: não, apenas vou andar um pouco, olhar prateleiras,
observar os produtos e depois visitar o meu sobrinho. Claro que aproveitei para
incentivá-la a percorrer o estabelecimento, conversar com as pessoas e
funcionários que isso faz muito bem para o emocional.
Segui
o meu caminho pensando o quanto estamos tão sozinhos num tempo em que nunca foi
tão fácil se comunicar. Recebemos notícias e falamos com qualquer parte do
mundo, como se o outro estivesse ao lado do nosso quarto. Sabemos notícias do
Japão em tempo real, mas desconhecemos o sofrimento do vizinho que mora diante
do nosso apartamento; das pessoas com as quais convivemos nas nossas igrejas
domingo após domingo; dos nossos colegas de trabalho e daquele grupo que
costumo chamar de núcleo duro que é a nossa família.
Desabafar
tem sido algo muito raro nos nossos dias. Falo do desabafo da alma e gosto de
usar a expressão de uma amiga que diz: desabafar é poder pensar em voz alta com
alguém que vá te ouvir, sobre sentimentos aprisionados que nos fazem sofrer,
sem receber julgamentos e censuras que nos fazem viver com segredos que estão
solapando o emocional de muita gente.
Pensando
nisso entendi muito bem aquela senhora. Encontrou alguém que ela nunca havia
visto na vida e resolveu abrir sem reservas, o seu coração e lavar a sua alma.
Acredito que este tempo seja de repensar nossas atitudes, com respeito aos
segredos que as pessoas nos confiam, pois caso não tenhamos nada ou muito pouco
a dizer, que sejamos pelo menos bons ouvintes e uma boca fechada quanto aos
segredos que alguém possa nos revelar.
Minha
conversa com aquela senhora que nem me deu oportunidade de perguntar o seu
nome, pois percebi que o importante para ela era apenas falar das dores da sua
alma para um estranho que se mostrou receptivo para ouvir um coração machucado
com as coisas da vida.
Ah,
sim! A senhora pode ficar tranquila: está desculpada pelo desabafo.
É isso
por hoje... é vida que segue!